segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Os sem lugar

       Eu conheço algumas pessoas que são a cara do lugar onde vivem. Falo daquelas pessoas que fixam raízes e passam a vida inteira em uma única cidade, às vezes no mesmo bairro e até na mesma casa.

       Os lugares por onde passamos podem ter um cheiro, uma cor, um som ou qualquer outra sensação marcante. Quem nunca disse: nossa, senti o cheiro da casa de fulano (não estando na casa de fulano)? Isso acontece porque tudo que vivemos vai construindo as referências segundo as quais enxergarmos o mundo.

       Passar a vida inteira morando na mesma cidade não significa que a pessoa não tenha se aventurado ou tido muitas experiências na vida, pois mesmo que ela tenha permanecido naquele lugar, na medida em que alguns se foram e outros vieram, o lugar deixou de ser o mesmo.

       Contudo, quem não passou pela experiência de viver em lugares muito diferentes (nos costumes, sotaque, idioma, etc.) provavelmente nunca teve a sensação de que deixou uma vida pra trás, o que normalmente inclui um trabalho, amigos, hábitos, cheiros, sons e cores.

       Experimentar viver em um lugar novo e bem diferente do que estamos acostumados é uma experiência riquíssima, mas ela também tem um preço. Quanto mais nos adaptamos a uma vida diferente, mais precisamos reconstruir nossas referências. Acontece que volta e meia as velhas referências batem à nossa porta e nos dão a sensação de estarmos fora do nosso lugar. O problema é que mesmo que a gente retorne para as velhas referências, as novas um dia baterão à nossa porta e nos darão a mesma sensação de estarmos fora do nosso lugar.

       Estou segura de que um brasileiro que vai estudar na Alemanha sabe perfeitamente que está fora do seu lugar, seja porque ele está ligado às lembranças da sua terra, seja porque os alemães fazem questão de que ele se lembre que não é de lá. Todavia, arrisco dizer que o Brasil nunca mais será o mesmo pra ele e que quanto mais ele se adaptar à Alemanha, mais o Brasil deixará de ser o seu lugar. Mesmo assim, completamente adaptado, a Alemanha nunca se tornará o seu lugar também.

       É sobre essas pessoas que eu escrevo: os sem lugar. Aqueles que, porque experimentaram mudanças significativas, tiveram a oportunidade de viver várias vidas. Digo várias vidas, porque considero que o ambiente influencia naquilo que nos tornamos, na forma como agimos e nas amizades que construímos. Como se em cada lugar vivêssemos um personagem, o que só notamos quando mudamos de papel.

        Por outro lado, se você é um sem lugar, pense bem...
        Qualquer lugar pode ser seu.

Do Balaio da Tati